23/02/2012

Pela defesa dos direitos adquiridos

Desde que terminaram as perseguições políticas nos jornais portugueses, na altura em que se investigavam tios, primos, mães e amigos de lideres políticos, as manchetes passaram a dar-nos conhecimento da existência duma crise, que inicialmente era exclusivamente portuguesa mas que rapidamente passou a ser fruto duma conjuntura internacional apresentando-nos, assim, o trio ideal que pode ser utilizado como justificação para tudo: A Crise, A Troika e O Memorando.
Três aspectos que cedo nos apresentaram na condição de consequências e que subitamente passaram à condição de causas.

Por causa da crise, os Portugueses terão de empobrecer para a economia crescer, disse-nos o Primeiro Ministro; por causa da Troika nem sequer foi dada a tradicional tolerância de ponto no Carnaval; por causa do Memorando os trabalhadores terão menos dias de férias.
Por causa da crise, os trabalhadores e os pensionistas pagaram de imposto mais cerca de 50% do seu subsídio  de Natal em 2011, que se revelou desnecessário; por causa da Troika terá que se trabalhar mais e ter menos feriados e "pontes" defendendo que isso trará mais produtividade, uma noção erradamente explorada e de uma forma demagógica e populista; por causa do Memorando as empresas públicas e participações do Estado em empresas vão ser vendidas ao desbarato.
Enfim, tudo por causa da Crise, da Troika e do Memorando... ah, e também, fazem-nos crer, que por causa do último Governo.

Mais recentemente ainda, as manchetes dos jornais vão dando conta de grandes benefícios que os funcionários de algumas empresas públicas têm. Borla nos barbeiros, viagens de comboio grátis para si e seus familiares, medicamentos e até subsídios! Escândalo! Que afronta! Eis a causa de tantos prejuízos nestas empresas! E nós, o povo, que nos cortam o pouco que temos para que estes possam ter estas mordomias!... fazem-nos acreditar estes jornais e o Governo.

Mas ainda que consigamos ignorar que estas notícias façam capa em jornais como o Correio da Manhã ou do Jornal de Notícias ou mesmo do Diário de Notícias, antigas referências jornalísticas que hoje podem ser colocadas lado a lado com edições como o Crime ou o Jornal do Incrível, bem atrás do jornal Ocasião ou da Dica do Dia, é preciso tentar fazer um exercício em perceber por que razão aparecem estas notícias agora.
Por que será que estas notícias que colocam trabalhadores contra trabalhadores aparecem dia sim e dia não nos jornais? Será coincidência que no dia em que se acusam trabalhadores de terem consagrado nos seus contratos colectivos de trabalho uma borla no cabeleireiro, que se calhar poupou muito dinheiro à empresa por não a fazer pagar um subsídio, surge o Ministro da Economia e do Emprego a dizer que Portugal parou no Carnaval devido aos contratos colectivos de trabalho?

Estas situações, e à forma como o jornalismo hoje é feito, num ápice levam a que as pessoas sejam conduzidas para uma linha de pensamento fácil e perigosa! De forma perigosa ouvimos as pessoas apontar o dedo a este tipo de "direitos adquiridos" ou "benefícios" e, sem discutir se são úteis ou disparatados, benéficos ou prejudiciais, como algo que "numa situação de crise" deveriam ser cortados! Eliminados! Cortem-se este tipo de injustiças, porque uns têm e outros não! Se podem cortar subsídios então este tipo de coisas deveria ser cortadas!
Mas esta maneira de pensar é perigosa! Muito perigosa, porque uma acção neste sentido, se uns não têm então os que têm não devem ter, é desrespeitar a lei, a justiça, o princípio de igualdade e o direito democrático. Porquê?
Porque primeiro, estamos a falar de contratos colectivos de trabalho que foram alvo de negociação e para os quais há legislação que lhes confere força; segundo, porque cortar direitos tendo por base um discurso meramente populista, fica bem no ouvido, é verdade, sem que se demonstre se são eles a causa dos prejuízos é descredibilizar toda a luta pela conquista de direitos; terceiro, porque o facto de "eu" não poder usufruir dessas benesses, não me dá o direito de exigir que outros não possam delas usufruir; e quarto, porque cortando por cortar, desrespeitando a legislação com base no "porque sim" ou no "interesse nacional" (qual?) é quebrar o princípio democrático pelo qual as sociedades se devem orientar, bastante característico das ditaduras, diga-se.

Nestes casos, em minha opinião, a abordagem feita na discussão do tema nunca deve ser feita no sentido descendente mas sim no sentido ascendente, isto é, não devo contestar o facto de "eu" não ter esses direitos exigindo que os outros também deles sejam privados! Devo sim contestar o facto de "eu" não ter esses direitos, exigindo que se mantenham para os outros e lutando para que também "eu" possa ter acesso a eles! Ao não agir desta forma e pedindo que cortem a outros porque "eu" tenho menos, estou a legitimar que amanhã alguém possa  vir a cortar ainda mais o pouco que "eu" hoje tenho!

Tal como não aceitei a justificação do Primeiro Ministro para o cortes dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários da Administração Pública, por estes terem maior estabilidade laboral em relação ao trabalhadores do privado (o que também não é totalmente verdade), não posso aceitar que se cortem direitos adquiridos ou negociados só porque há outros na mesma escala hierárquica que não os têm!
Ao defender o corte de direitos adquiridos ou que se possam rasgar contratos negociados e assinados desta forma leviana seria, a cima de tudo, uma forma de legitimação e aprovação da linha de pensamento do Governo para os sucessivos cortes em direitos e meios de subsistências da população. Seria concordar com a visão ultraliberal e insensível do actual Primeiro Ministro quando diz, talvez resultado dos seus tiques autoritárioa, que os "direitos adquiridos caem no dia que for preciso".

Como se vê, até na explicação do Primeiro Ministro que não conseguiu encaixar na mesma linha de raciocínio o corte nos subsídios de que também os pensionistas vão ser alvo, trata-se duma justificação fácil, demagógica, populista e com uma orientação que acarreta seguramente riscos para as classes mais baixas da sociedade.

Digo eu, que não percebo nada disto...


16/02/2012

Toca e foge!

Mais uma vez, assistimos ao nosso Presidente da República a jogar uma espécie de "toca e foge".


Agendada uma visita à remodelada escola António de Arroio, lá partiu o Presidente na sua comitiva escoltada pela PSP que depois de passar pela Avenida João XXI acima, diz quem se encontrava pela zona, deu uma volta de 360º regressando pelo mesmo caminho de onde vinha!
Parece que havia um qualquer problema de segurança na dita escola obrigando a comitiva a regressar para terreno seguro. O dito problema afinal era uma pequena manifestação de alunos contra medidas tomadas pelo actual Governo que o Presidente "de todos os Portugueses" preferiu evitar (para não usar outra expressão de carácter mais depreciativo). A justificação oficial, parece, foi que "um imponderável relacionado com a actividade presidencial" obrigou a uma alteração de última hora na agenda!


Uma situação bastante caricata, não tanto pelo acto de "fuga" em si, mas sim pelo "fugitivo" ser quem é!
Senão vejamos: a 9 de Março de 2011, Cavaco Silva tomava posse na Assembleia da República como Presidente, para um segundo mandato. No seu discurso inflamado, e por vezes confuso (coisa que já vai sendo habitual), o recentemente empossado Presidente, em jeito de conclusão afirmava:


"Foi especialmente a pensar nos jovens que decidi recandidatar-me à Presidência da República. A eles dediquei a vitória que os Portugueses me deram. Agora, no momento em que tomo posse como Presidente da República, faço um vibrante apelo aos jovens de Portugal: ajudem o vosso País!
Façam ouvir a vossa voz. Este é o vosso tempo. Mostrem a todos que é possível viver num País mais justo e mais desenvolvido, com uma cultura cívica e política mais sadia, mais limpa, mais digna. Mostrem às outras gerações que não se acomodam nem se resignam."


(podem confirmar a veracidade destas palavras no "Site da Verdade"!)


Pergunto eu, então, Sr. Presidente da República não foi exactamente isso que pediu aos jovens? Que fizessem ouvir a sua voz? Que não se acomodassem? Que não se resignassem? Foi isso que eles fizeram, e onde ficou a coragem para os ouvir?
Ou será que a intenção era que os jovens levantassem a sua voz e não se acomodassem ou se resignassem só até ao mês de Junho de 2011?!


Certamente perguntas que ficarão por responder por "imponderáveis" que, por alguma razão, deverão estar relacionados com actividade presidencial... isso ou então é o jogo do "toca e foge"!
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