29/07/2012

Divide et impera


A divisão entre trabalhadores do sector privado e do sector público nunca foi tão explorada como agora. E desta vez, no pior dos sentidos!


A clivagem entre as condições dos trabalhadores sempre serviu de arma de arremesso político. Usada por uns na tentativa de atingir uma equidade dos aspectos positivos de dois diplomas legislativos distintos - recorde-se a tentativa de instituir os 25 dias de férias no sector privado travado pela "concertação social" sendo apenas possível introduzir a experiência anterior do sector público de dias de 'majoração' (agora retirada pelo Governo) ou da tentativa de redução do número de horas de trabalho semanais (que o XIX Governo quer aumentar) - mas também usada por outros para acentuar as diferenças e com isso obter ganhos eleitorais e políticos. Mas “que se lixem as eleições”!


Perante um acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que declara inconstitucional uma medida do Orçamento de Estado que retira o direito, apenas aos trabalhadores da Administração Pública (AP), a terem acesso àquilo que lhes é devido, os subsídios de férias e de Natal, dirigentes deste Governo e da coligação que lhe dá sustentabilidade vieram cuspir labaredas sobre a decisão, talvez esquecendo que a Constituição da República Portuguesa (CPR) é um pilar cuja existência não deve ser atropelada por uma corrida ideologicamente cega, mas onde aqueles que pretender deixar queimados são apenas os trabalhadores da AP.
Este discurso inflamado contra os trabalhadores da AP, aqueles que, por norma são rotulados de incompetentes porque muitas vezes são confrontados com decisões de gestão completamente estapafurdias emanadas por dirigentes lá colocados pelos Governos e que em nada defendem os serviços para os cidadãos ou os próprios cidadãos, centra-se numa ideia instalada de existência de uma estabilidade e diferença que os beneficia em relação aos trabalhadores do sector privado.


É comum bradar-se a ideia de que os trabalhadores da AP usufrem de vencimentos superiores aos do sector privado. Não é verdade. Este argumento assenta em estudos e médias. Mas o cálculo destes valores é enviesado pelo facto de nele se incluir vencimentos de profissões que não existem no sector privado: Representantes do poder legislativo, Magistrados, Forças Armadas, Forças Policiais, Oficiais de Justiça, Bombeiros, etc.


Como é possível ter uma discussão séria em torno desta matéria se na média se incluem vencimentos de altos quadros do sector público sem que se incluam os do sector privado que, em muitos casos são “secretos”? Como é possível considerar qualquer estudo sério nesta temática se, em muitas empresas portuguesas, uma parte significativa dos vencimentos dos trabalhores do sector privado é pago “por fora”, incentivo que parte das próprias empresas?
Uma visita às tabelas das carreiras da AP no sítio da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público talvez possa ser elucidativa quanto aos valores auferidos pelos trabalhadores da AP se se considerar que a sua grande maioria, os quadros baixos e médios, pertencem às categorias de “Assistentes Operacionais”, “Operários”, “Auxiliares”, “Assistentes Técnicos”, “Assistentes Administrativos” ou “Técnicos Superiores”.


Mas se ainda assim esta situação não nos convence, é importante não ficarmos na ignorância quanto às principais introduções da Lei nº. 12-A/2008 e da Lei nº. 59/2008 quanto aos aspectos de equidade.
Estes dois diplomas não sustentam, e até contrariam, a ideia que defende uma maior protecção no emprego aos trabalhadores da AP, pois introduzem um mesmo nível de protecção. Uma efectiva equidade entre os trabalhadores dos dois sectores!
Tal como o trabalhador do sector privado, também o trabalhador da AP pode ser despedido por inadaptação (Lei nº. 59/2008, Artigos 259º a 267º), por extinção do posto de trabalho ou por despedimento colectivo (Lei nº. 12-A/2008, Artigo 33º). Mas se atendermos ao facto de um trabalhador da AP poder ser colocado numa situação de “mobilidade especial”, vendo uma percentagem do seu vencimento ser-lhe retirada, e ainda tendo a possíbilidade de ser “encaminhado” para trabalhar uma zona geografica distante daquela que antes era a sua e numa função diferente da que desempenhava (correndo o risco de entrar numa situação de “inadaptação”) creio que o argumento sobre a protecção no emprego pode cair por terra.


Ainda o “benefício” (sic) pela existência de um sub-sistema de saúde específico para os trabalhadores da AP é mais um argumento que conduz ao engano. O dito sub-sistema, a ADSE, não é para todos: é de adesão livre, e é pago! A inclusão de um trabalhador da AP na ADSE implica uma percentagem do seu vencimento descontada para este sub-sistema de saúde onde as vantagens (comparticipações), de uma forma geral, acabam por ser inferiores a qualquer seguro de saúde privado. Uma parte significativa dos trabalhores da AP abdicam deste sub-sistema de saúde para que possam usufruir de todo o seu ordenado confiando a sua saúde naquilo que parece também se querer retirar a todos os portugueses: o Sistema Nacional de Saúde.


Por fim, e aproveitando a ideia de uma recente frase que ficou célebre, é importante nortear a vida “pela simplicidade da procura doconhecimento permanente” e não ficar na ignorância quanto aos cortes nos ordenados dos trabalhadores da AP. É que quando se defende que devem ser estes trabalhadores a suportar a maior fatia do pagamento da crise, mesmo que isso implique pagar submarinos, tanques e helicópteros ou indeminizações por contratos não cumpridos e estudos contratados que resultam em coisa alguma, não se pode esquecer que desde 2009 até ao final de 2011 os trabalhadores da AP descontaram mais 1 a 1,5% de IRS que os funcionários do sector privado, todos os meses. Também não é menos verdade que desde o inicio de 2011 uma larga fatia dos trabalhadores da AP sofreu cortes nos seus ordenados no mínimo de 3,5%.


Como em todos os sectores, também no público, há bons e maus trabalhadores. Mas se dúvidas houver daquilo que aqui escrevi, faça-se lembrar que os enfermeiros, que recentemente vieram para a rua reclamar que estão a ser contratados a valores inferiores a 4 euros por hora, ou que os médicos, que provocaram a última greve (e maior alguma vez realizada) por haver uma intenção de fazer contratações de especialistas por 400 e 500 euros por mês, ou os professores em luta também são trabalhadores da AP.


Porque não acredito que aqueles que hoje estão no Governo, e que antes estavam na oposição, pretendam acentuar as clivagens na sociedade através de discursos de acções incendiárias por puro desconhecimento da realidade, só posso chegar à conclusão que seguem velhos mestres na arte de governo como Maquiavel e Júlio César: divide et impera.

06/07/2012

Livro: A Ideia de Europa

"A Ideia de Europa" de George Steiner, um filósofo contemporâneo, é um pequeno livro que resulta duma palestra proferida em 2004 durante a Presidência holandesa do Conselho da União Europeia no Nexus Institut. Um texto muito interessante que nos transmite a noção de Europa e a sua identidade através da exaltação da cultura.


«A Europa morrerá efectivamente, se não lutar pelas suas línguas, tradições locais e autonomias sociais.»


Um texto que contribuiu, um pouco mais, para reforçar a minha perspectiva sobre a condição de cidadão da Europa...






Sinopse:

Começa assim... 


«A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. […] Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da ‘ideia de Europa.’» 


… e termina assim este ensaio verdadeiramente admirável de George Steiner: 


«Com a queda do marxismo na tirania bárbara e na nulidade económica, perdeu-se um grande sonho de — como Trotsky proclamou — o homem comum seguir as pisadas de Aristóteles e Goethe. Liberto de uma ideologia falida, o sonho pode, e deve, ser sonhado novamente. É porventura apenas na Europa que as fundações necessárias de literacia e o sentido da vulnerabilidade trágica da condition humaine poderiam constituir-se como base. É entre os filhos frequentemente cansados, divididos e confundidos de Atenas e de Jerusalém que poderíamos regressar à convicção de que ‘a vida não reflectida’ não é efectivamente digna de ser vivida.»
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