30/09/2013

Autárquicas 2013

A primeira ideia que se deve ter presente quando se olham para os resultados saídos de eleições é a sua característica principal: se são eleições de primeira ordem ou eleições de segunda ordem.
Não devem confundir-se com eleições de "primeira categoria" ou eleições de "segunda categoria". É que a "ordem" é facilmente (e cientificamente) explicável enquanto que a "categoria" é subjectiva.
As eleições de primeira ordem são aquelas cujo resultado final terá um impacto directo nos eleitores e cidadãos, e.g. eleições legislativas, e as de segunda ordem aquelas cujo impacto é sentido de uma forma indirecta, e.g. eleições locais - não obstante ser o poder local aquele que mais próximo está das populações, ou deveria estar, é do poder central, nomeadamente da Assembleia da República e, em consequência, do Governo que saem as grandes decisões com impacto elevado na vida dos cidadãos.

É por esta diferença que as análises qualitativas são arriscadas e pouco fiáveis principalmente quando delas se pretendem retirar mensagens - sejam elas locais ou nacionais.

Mas, evitando aquilo que considero um erro que é olhar para os resultados dos sufrágios locais, as eleições autárquicas, e daí retirar conclusões directas para a esfera nacional, se olharmos os resultados das eleições autárquicas de 2009 e os das eleições autárquicas de 2013, há leituras claras que podem ser feitas, em todos os sentidos:

§ É claro o aumento do número de pessoas que se deram ao trabalho de ir a uma secção para anular o seu voto - 69.120 (1,25%) em 2009 e 144.906 (2,95%) em 2013 - ou para votar em branco - 94.983 (1,72%) em 2009 e 190.288 (3,87%) em 2013;

§ É clara a redução do número de votantes - em 2009 foram 5.533.824 (59,01% dos 9.377.343 inscritos) e 4.944.099 em 2013 (52,59 dos 9.401.518 inscritos);

§ O PS, o aparente grande vencedor em 2013, pois ganhou 150 Câmaras Municipais, muitas delas com maioria absoluta, precisa de analisar o porquê de, à data em que faltam apurar 22 freguesias, no global ter perdido um mandato para a Câmara Municipal (908 em 2009 e 907 em 2013), ter perdido 193 mandatos para as Assembleias Municipais (2819 em 2009 e 2626 em 2013 - note-se que estão por atribuir apenas 86 mandatos!) - de referir, nesta fase, a perda de 2910 mandatos de freguesia é prematuro dada a reforma administrativa que tratou de eliminar algumas Assembleias de Freguesias.

§ O PSD foi naturalmente um dos grandes derrotados - até na Região Autónoma da Madeira. De 2009 para 2013 perdeu em todas as linhas. Convém ao PSD uma análise cuidada principalmente sobre as escolhas dos candidatos e políticas. A associação com as políticas centrais não é totalmente clara pois é sobejamente conhecido que os eleitores, para as suas autarquias, votam nas pessoas e não nos partidos - excepto se os candidatos não conseguirem criar uma ligação com os eleitores;

§ O parágrafo anterior reveste-se de verdade, e é um ponto que as estruturas do PS devem considerar como um aviso e ponto de reflexão, a ver pela reeleição do candidato independente de Matosinhos, militante do PS e preterido pelo próprio partido em detrimento de outro militante sem enraizamento profundo na estrutura autárquica;

§ A coligação PCP/PEV subiu tanto em n.º de mandatos como em votos - sinal desta subida nos sufrágios foi, por exemplo, o resultado obtido em Loures, um grande centro urbano na região de Lisboa;

§ O concelho de Oeiras continua a reincidir em resultados eleitorais que contrariam a lógica de que os bons e correctos é que deveriam ser eleitos para governar o bem público.  

Outras análises e mensagens podem e devem ser retiradas, mas talvez aquela que poderá ter um maior significado acaba por ter origem nos resultados obtidos por Presidentes de Câmara em fim do 3.º mandato que entenderam candidatar-se a autarquias vizinhas (e.g. Loures, Lisboa, Sintra, Vila Nova de Gaia, etc.).

Uma mensagem para os partidos e para os próprios Presidentes "profissionais": numa altura em que a política é vista com grande desconfiança pelos cidadãos, se há coisa que se pode assumir é que os eleitores não toleram facilmente candidatos que pretendem perpetuar-se no poder, nem que para isso o tentem em concelhos com os quais não têm ligação!
... e não foi por falta de aviso, pois quando Avelino Ferreira Torres, por sua própria iniciativa em 2005, decidiu deixar a Câmara Municipal do Marco de Canaveses para se candidatar a Amarante, os eleitores deixaram isso bem claro, tanto em Amarante como depois, em 2009, de novo no Marco de Canaveses.

A bem da verdade, diga-se que o caso de Macário Correia em Faro, em 2009, cuja eleição não foi tão fácil assim, pode revelar que há regiões onde esta prática é melhor tolerada pelos cidadãos. Mas, tal como aqui já foi dito, as eleições autárquicas são locais e por isso têm características próprias e difíceis de serem colocadas em comparação com eleições ou estados de espírito nacionais. 



04/09/2013

Verdade e Direitos

Limitado apenas pelas regras da decência, da boa educação e do respeito - umas vezes mais conseguidas que outras - espaços como este podem disponibilizar conteúdos induzidos pela ideologia, cientificamente incorrectos ou factualmente desencontrados da realidade.

Mas se tais conteúdos em plataformas como as que são os blogs ou redes sociais poderão ser eventualmente tolerados, motivados pelo maior ou menor grau de profissionalismo ou experiência de quem escreve ou pela intenção com que o faz, o mesmo não deveria acontecer quando o conteúdo faz parte de um órgão de comunicação social.

É verdade que a conjectura actual afecta todas os sectores e a imprensa não é diferente. O cortes que as empresas e os meios de comunicação social têm sido alvo por decisão dos grupos económicos que os detêm também tem contribuído para um declínio daquele que foi, em tempos, apelidado de "Quarto Poder". Estas situações têm motivado nestes últimos anos uma redução do número de jornalistas e a substituição da "velha guarda" por recém-formados e estagiários pretendentes à categoria de jornalistas. As redacções transformaram-se e, como consequência natural, verificou-se existir uma perda significativa da memória jornalística.
Destes profissionais são muitos poucos aqueles que, na verdade, representam a essência do jornalismo: há um grande volume de transcrições de ofícios das agências noticiosas, fontes que não são confirmadas e ainda um débil jornalismo de investigação que, em alguns casos, fazem jus ao dizer "a montanha pariu um rato".

Mas se tudo isto é grave mesmo num simples pasquim, a dimensão atinge níveis de grande preocupação em jornais que usam como slogan o facto de há 40 anos fazerem opinião.

De há muito a esta parte que a escolha de pessoas para ocuparem espaços de opinião no semanário Expresso é bastante discutível, pelo conteúdo e qualidade (em especial os casos de Rui Ramos ou, pior ainda, de Henrique Raposo que muita tinta têm feito correr), mas esta poder-se-á ainda argumentar pela pluralidade do espectro ideológico que o semanário quer oferecer aos seus leitores.
O que não se compreende é que essa falta de rigor e até mesmo de isenção, num jornal com história como a do Expresso, ultrapasse as fronteiras das colunas de opinião.

Na edição de 31 de Agosto de 2013, no habitual espaço dedicado a uma espécie de avaliação por "Altos" e "Baixos", sabe-se lá quais os critérios utilizados para tal juízo, pode ler-se (nos baixos):
"Sousa Ribeiro
Presidente do Tribunal Constitucional
Na explicação do acórdão em que os juízes consideraram que ninguém pode ser despedido no Estado (apesar de poder sê-lo no privado) e que, portanto, há uma espécie de Constituição para filhos e outra para enteados, brindou os portugueses com uma pérola, ao afirmar que o regime de férias dos juízes do TC é "particularmente desfavorável" para os magistrados. Assim se vê como estão deslocados da realidade do país."

Não deveria ser permitido, pelo menos por quem dirige aquele jornal, mesmo com todas as liberdades editoriais, que alguém que seja detentor da carteira de jornalista possa revelar tamanha ignorância e incompetência.
Martim Silva (pelo menos é assim que assina este enorme disparate) é mais um daqueles que, sem qualquer pudor, ostenta o seu desconhecimento do que é a Constituição da República Portuguesa, o funcionamento do TC e o estatuto dos juízes constitucionais e também do próprio acórdão do TC. Tenho mesmo dúvidas que Martim Silva tenha visto na TV a declaração de Sousa Ribeiro!

Mas o que Martim Silva não sabe, ou faz por não saber, é que o acórdão do TC não proíbe despedimentos pela simples razão que não era essa a essência da questão em análise. A pronúncia de inconstitucionalidade do TC ocorreu pelo facto de que os artigos em fiscalização abriam a possibilidade a que ocorressem despedimentos sem justa causa - da mesma maneira como estes também não são permitidos "no privado", ao contrário do que escreve Martim Silva. Uma pessoa minimamente informada, ou que procure a informação, facilmente perceberá que mesmo sem a lei com artigos inconstitucionais que o Governo tentou fazer passar (se deliberadamente ou por incapacidade em legislar não está aqui em discussão), o Estado pode despedir e despede... com justa causa, tal como no privado. Alegrem-se aqueles que vêm neste ponto o busílis da equidade entre público e privado.

Quero acreditar que a utilização daquele espaço no Expresso tenha sido feita por alguém com um enorme desconhecimento da verdade, aliada a uma descarada incompetência jornalística, e não por alguém que, defendendo que a "realidade do país" permite todo e qualquer abuso e atropelo à lei, não foi propositadamente para "fazer opinião" errada e alinhada com o que de mais podre, a pouco e pouco, se está a enraizar em Portugal alimentado por certa visão política.

A passos largos, Portugal parece caminhar para uma situação em que Verdade e Direitos são conceitos cada vez mais desvanecido na sociedade: o primeiro, esquecido pelo jornalismo e cada vez menos reclamado pelas pessoas; o segundo, gradualmente inaplicável a quem deles deveria beneficiar.

E assim se vê como são incompetentes alguns "escritores" de páginas de jornal, porque de jornalistas nada têm.


Adenda, 04.09.2013: esta questão torna-se mais grave quando quem assina o texto é o editor de política do próprio jornal... agora juntam-se algumas "peças do puzzle"...
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