17/04/2014

Profissão: Deputado

De tempos a tempos somos abalroados com o discurso de que todos os males da sociedade, e consequentemente, também os da política, têm origem na Assembleia da República, em especial num tipo de funcionários: os deputados (não esqueçamos que naquela instituição existem vários tipos de funcionários para além dos deputados).
Por isso, de tempos a tempos surgem ideias peregrinas que pretendem resolver os problemas de deputados a mais ou a menos, ou acabar com os conflitos de interesses que, diga-se, está mais do que provado que existem.

A mais recente partiu do Bloco de Esquerda (BE) que apresentou um Projecto de Lei (PdL) com vista a alterar o estatuto dos deputados e, assim, estabelecer um regime de exclusividade na Assembleia da República.

Propõe o BE, com este documento, que se dê resposta ao «sentimento generalizado da necessidade de novas regras para o funcionamento do sistema político e para a credibilização da vida democrática.» Realço, no entanto, a clareza da proposta e a (aceitável) fundamentação relativamente àquele que é sempre o tema mais demagógica e populisticamente utilizado nestes tipos de discussão:
«Portugal está abaixo da média no número de deputados por habitante
As novas regras para a credibilização da vida democrática não passarão, certamente, por opções como a da redução do número de deputados na Assembleia da República.»
 Posto isto, o BE propõe então a necessidade de uma «exclusividade para requalificar a democracia», sendo assim uma «exigência democrática».

Dando o devido valor a esta proposta do BE e até compreendendo e partilhando da ideia subjacente dos seus objectivos, encontro nela dois problemas: uma incongruência naquele que é o espírito do PdL e uma consequência com grande impacto nos partidos políticos, em especial no sistema mais fechado e protegido por estes: a elaboração das listas de deputados.


  1. Ao propor-se um regime de exclusividade onde os deputados apenas se devem ou podem dedicar à actividade de deputado, sendo-lhes vedado por completo o exercício de qualquer outra função, pois é isso que significa exclusividade, não pode nem deve assumir-se que «não se pretende [...] proceder a uma profissionalização do deputado». Não faz muito sentido defender-se um regime de «exclusividade» da actividade e, mais à frente, considerar-se a necessidade de definir uma lista de «incompatibilidades». Parece-me, por isso, mesmo com esta incongruência, que esta proposta mais não faz do que criar essa não desejada profissionalização da carreira de deputado.
  2. O PdL assume que a «exclusividade é um imperativo para o desempenho de vários cargos públicos, como decorre da legislação.» Eu digo mesmo que ela está patente na grande maioria daqueles que exercem funções públicas, porque a isso estão obrigados («As funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade» - Artigo 26.º - estando as excepções previstas nos Artigos 27.º e 28.º). Mas a partir do momento em que se profissionaliza uma carreira, a bem da invocada transparência, esta tem que estar sujeita, também, a um qualquer tipo de responsabilização. Responsabilização que, tal como noutras funções públicas, decorre de uma avaliação... de desempenho. E a partir deste momento não basta dizer que a avaliação aos deputados é feita nos momentos de eleições. É que, porque os eleitores não têm qualquer palavra sobre a escolha daqueles que elegem, agravado pela reclamação por um regime de «rotatividade dos deputados», os votos, na prática, recaem sempre sobre os partidos políticos e não sobre as suas listas fechadas. Como será avaliado o decurso da actividade decorrente da exclusividade?
Um regime como este, altamente discutível na forma e nos meios, mas não nos objectivos, só fará sentido em sistemas partidários abertos, isto é, onde a constituição das listas de candidatos a deputados possa ser influenciada pelos cidadãos (fica em aberto a discussão sobre em que condição a exerceriam: militantes, simpatizantes, escolhas/eleições primárias, etc.).
Talvez assim se conseguisse uma maior motivação para a participação política e partidária e permitiria, tal como para os outros cargos públicos na sua grande maioria, uma "avaliação de desempenho individual" dos deputados nos actos actos legislativos - reconheço que esta é uma discussão muito mais profunda, pois este cenário acabaria, também, por ter influência nos processos de decisão que, talvez, teriam por base o interesse no bem comum e geral e não tanto na interpretação desses interesses pelas cúpulas e (duma reduzida parte) dos "aparelhos partidários".

Deixo mais para a frente outra consequência da profissionalização da carreira de deputado, também ela com o mesmo elevado nível de preocupação: a origem e qualidade dos políticos e deputados profissionais...

08/04/2014

Livro: O Caminho da Esperança

Diz-se que «a esperança é a última coisa a morrer». E é isso mesmo que nos dizem Stéphane Hessel e Edgar Morin, dois grandes pensadores contemporâneos, neste pequeno trabalho com o título "O Caminho da Esperança". Num conjunto de propostas gerais, reunidas neste trabalho cuja leitura recomendo, que, como reconhecem os autores, carecem de maior aprofundamento, não resisto à transcrição de uma das muitas passagens que nos devem obrigar à reflexão:

«A via para uma política de bem-viver não pode desenvolver-se se não degolarmos o capitalismo financeiro insaciável e a barbárie da purificação nacional. O capitalismo financeiro não é o capitalismo produtivo, antes um parasita que desvia os capitais do sector produtivo em prol da especulação. O capitalismo produtivo, porém, está actualmente pervertido pela produtividade e a competitividade que se exercem [...] em detrimento dos trabalhadores, submetidos a penosos constrangimentos ou ao lay-off. Serão, de um lado, as taxas aduaneiras racionais e provisórias, a renovação do sindicalismo por outro, e, ainda, o renascimento da esquerda, a travar, como foi o caso no passado nas nações ocidentais, os piores excessos da exploração


Sinopse:

«Depois de proclamar em Indignai-vos e Empenhai-vos! a necessidade para dar um passo em frente, se queremos mudar o que não nos agrada na nossa vida social e politica, Stéphane Hessel decidiu neste livro conversar com um dos grandes intelectuais europeus do século XX: o filosofo Edgar Morin para reforçar a atenção para a mobilização cívica. Hessel e Morin, dois nonagenários que não perderam a vivacidade do espirito de luta combativa na Resistência, apelam a imaginação e as exigências dos cidadãos para nos devolver um horizonte no século em que vivemos, um futuro para o nosso planeta e uma Esperança para todos, que hoje em dia lhes é negado. Através de propostas concretas ensinam como a criação de um governo mundial, a revitalização da solidariedade, a criação de Casas de Fraternidade, o desenvolvimento da economia plural, que favoreça pequenas e médias empresas e o impulsionar de um novo modelo de consumo, assim como a implementação da reforma laboral baseada nos princípios da racionalidade e democratização do ensino e, sempre que necessário, a procura do bem-estar que tem grande importância para as pessoas.»
Related Posts with Thumbnails